“A Terra tem o suficiente para o sustento de todos, mas não tem
para a
ganância de uns poucos"
(Gandhi)
Leonardo
Boff, um reputado teólogo, escritor e professor universitário
brasileiro, escreve o seguinte:
"O
cataclismo econômico-financeiro, fruto de avidez e de mentiras,
esconde uma via-sacra de sofrimento para milhões de pessoas que
perderam suas economias, suas casas e seus postos de trabalho. Quem
fala deles? Os verdadeiros culpados se reúnem mais para
salvaguardar ou corrigir o sistema que lhes garante hegemonia sobre
os demais atores do que para encontrar caminhos com características
de racionalidade, cooperação e compaixão para com as vitimas e
para com toda a humanidade.
Esta
crise traz à luz outras crises que, quais espadas de Dâmocles,
estão pesando sobre a cabeça de todos: a climática, a
energética, a alimentar e outras. Todas elas remetem para a crise
do paradigma dominante. A situação de caos generalizado suscita
questões metafísicas sobre o sentido do ser humano no conjunto dos
seres em evolução. Neste momento silenciam os pós-modernos com o
seu every thing goes. Queiram eles ou não, há coisas que têm que
valer, há sentidos que devem ser preservados, caso contrario nos
enchafurdamos no mais reles cinismo, expressão de profundo desprezo
pela vida.
Já
há tempos que pensadores como Teilhard de Chardin ou René Girard
notaram certo excesso de maldade no caminho da evolução
consciente. Cito um pensamento de Girard, estudioso da violência,
quando esteve entre nós em 1990 dialogando com teólogos da
libertação:”Tudo parece provar que as forças geradoras da
violência neste mundo, por razões misteriosas que eu tento
compreender, num certo nível são mais poderosas que a harmonia e a
unidade. Este é o aspecto sempre presente do pecado original,
enquanto, para alem de qualquer concepção mítica, representa um
nome para a violência na história”.
Não
há por que rejeitar este sombrio veredito. Somente o pensamento da
esperança contra toda a esperança, da compaixão e da utopia nos
oferece com um pouco de luz. Mesmo assim, há que conviver com a
sombra de que somos seres com imensa capacidade de auto-destruição,
até o último homem. Há anos uma pesquisa alemã sobre as guerras
na história da humanidade, citada por Michel Serres em seu último
livro Guerre mondiale (2008), chegava aos seguintes dados: de três
mil anos antes de nossa era até o presente momento, três bilhões
e oitocentos milhões de seres humanos teriam sido chacinados,
muitos deles em guerras de total extermínio.
Só
no século XX foram mortas duzentas milhões de pessoas. Como não
se questionar, honestamente, sobre a natureza deste ser complexo,
contraditório, anjo bom e satã da Terra que é o ser humano? Hoje
vivemos uma situação absolutamente inédita. É a guerra coletiva
contra Gaia. Até a introdução da guerra total por Hitler (totaler
Krieg), as guerras possuíam seu ritual: eram entre exércitos.
Depois passaram a ser entre nações e entre povos: era a guerra de
todos contra todos. Hoje ela se radicalizou: é a guerra de todos
contra o mundo, contra o planeta Gaia (bellum omnium contra Terram).
Pois
é isso que está implicado em nosso paradigma civilizacional que se
propôs explorar e sugar, com violência tecnológica, a totalidade
dos recursos do planeta Terra. Com efeito, atacamos a Terra em todas
as suas frentes, nos solos, nos subsolos, nos ares, nas florestas,
nas águas, nos oceanos, no espaço exterior. Qual é o canto da
Terra que não seja objeto de conquista e de dominação por parte
do ser humano? Há feridas e sangue por todas as partes, sangue e
feridas de nossa Mãe Terra. Ela geme e se contorce nos terremotos,
nos tsunamis, nos ciclones, nas enchentes devastadoras em Santa
Catarina e nas secas terrificantes do Nordeste. São sinais que ela
nos está enviando. Cabe interpretá-los e mudar a nossa conduta.
Esta
guerra não será ganha por nós. Gaia é paciente e com capacidade
imensa de aguentar. Como fez com tantas outras espécies no passado,
oxalá não decida livrar-se da nossa, nas próximas gerações.
Não nos basta o sonho do filósofo Kant da paz perpétua entre
todos os povos. Precisamos com urgência fazer um pacto de paz
perene de todos com a Terra. Já a atormentamos demasiadamente.
Importa tratar-lhe as feridas e cuidar de sua saúde. Só então
Terra e Humanidade teremos um destino minimamente garantido".
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