Pensamento
de Agostinho da Silva
1.
Existe um Deus que é o conjunto de tudo quanto apercebemos no Universo. Tudo o
que existe contém Deus, Deus contém tudo o que existe. Pode-se, sem blasfémia,
considerar, falar não de Deus mas apenas do Universo, com Espírito e Matéria,
formando um todo indissolúvel. A doutrina de Deus, tal como a pôs Cristo,
permite considerar todas as religiões como boas, embora em graus diferentes,
todos os homens como religiosos. Não poderá, portanto, fazer-se em nome de
Deus qualquer perseguição: todo o homem é livre para examinar e escolher; a
maior ou menor capacidade de exame e o resultado da escolha serão, em qualquer
caso, a expressão do que ele é e do máximo a que pode chegar segundo as suas
capacidades.
2. A visão mais alta que podemos ter com Deus, nós que somos apenas uma parte
do Universo, é uma visão de Inteligência e de Amor; os pecados fundamentais
que o homem poderá cometer são as limitações da Inteligência ou do Amor:
toda a doutrina estreita, sem tolerância e sem compreensão da variedade do
mundo, toda a ignorância voluntária, todo o impedimento posto ao progresso
intelectual da humanidade, toda a violência, todo o ódio, limitam o nosso espírito
e o dos outros, impedem que sintamos a grandeza, a universalidade de Deus.
3. Deus não exige de nós nenhum culto; prestamos a nossa homenagem a Deus,
entramos em contacto pleno com o Universo, quando desenvolvemos a nossa inteligência
e o nosso Amor: um laboratório, uma biblioteca são templos de Deus; uma escola
é um templo de Deus, e o mais belo de todos. Todos podemos ser sacerdotes,
porque todos temos capacidades de Inteligência e de Amor; e praticamos o mais
elevado dos cultos a Deus quando propagamos a cultura, o que significa o
derrubamento de todas as barreiras que se opõem ao Espírito. Estão ainda
longe de Deus, de uma visão ampla de Deus os que fazem consistir o seu culto em
palavras e ritos; mas dos que subirem mais alto não pode haver outra atitude
senão a de os ajudar a transpor o longo caminho que ainda têm adiante. Ninguém
reprovará o seu irmão por ele ser o que é; mas com paciência e persistência,
com inteligência e com amor, procurará levá-lo ao nível mais alto.
4. Para que possa compreender Deus, para que possa, melhorando-se, melhorar também
os outros, o homem precisa de ser livre; as liberdades essenciais são três:
liberdade de cultura, liberdade de organização, social, liberdade económica.
Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao máximo o seu espírito
critico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio; ninguém impedirá que
transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado. Pela liberdade de
organização social, o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade,
administrando e guiando, em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua
cultura se for alargando; para um bom governante, cada cidadão não é uma cabeça
de rebanho; é como que o aluno de uma escola de humanidade: tem de se educar
para o melhor dos regimes, através dos regimes possíveis. Pela liberdade económica,
o homem assegura o necessário para que o seu espírito se liberte das preocupações
materiais e possa dedicar-se ao que existe de mais belo e de mais amplo; nenhum
homem deve ser explorado por outro homem; ninguém deve, pela posse dos meios de
exploração e de transporte, que permitem explorar, pôr em perigo a sua
liberdade de Espírito dos outros. No Reino Divino, na organização humana mais
perfeita, não haverá nenhuma restrição de cultura, nenhuma propriedade. A
tudo isto se poderá chegar gradualmente e pelo esforço fraterno de todos.
(in “A Doutrina Cristã”
editado em 1943)
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